Decisão judicial sobre condenação de mãe jovem e negra é revista em perspectiva feminista

A avaliação das prova pelo Tribunal de Justiça, nesse caso, foi feita de forma preconceituosa, com julgamentos morais e estereótipos de gênero, segundo pesquisadoras

 01/06/2023 - Publicado há 12 meses
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A análise ignora como funciona a violência doméstica e a dependência emocional das mulheres em relação aos seus companheiros violentos – Foto: Reprodução/Freepik
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A reescrita de decisão judicial sob a ótica feminista neste episódio da série Mulheres e Justiça é de parte de um acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul em 2017, que condenou uma mãe jovem negra e pobre pela tortura e homicídio do filho ao deixá-lo aos cuidados do marido, que sabidamente era violento e não gostava do menino, por acreditar que não era seu filho. A convidada da professora Fabiana Severi para falar desta reescrita é a também professora Ela Wiecko Volkmer de Castilho, da Universidade de Brasília.

Ela Wiecko Volkmer de Castilho – Foto: Arquivo pessoal

A escolha de parte desse acórdão, segundo Ela Wiecko, se deu pela polêmica à época (2013) e por ter sido considerado um caso de injustiça, inclusive reportado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos. “A nossa reescrita incide apenas numa parte do acórdão e foi de difícil execução, pois a ré foi julgada e condenada pelo Tribunal do Júri, e entendemos que houve injustiça nessa decisão, no reconhecimento de que a ré agiu de forma dolosa,  de que a omissão dela, como mãe, foi dolosa e colaborou para a morte do filho, só podemos fazer a dosimetria da pena.” Nesse caso o juiz aplicou uma pena de 22 anos, 2 meses e 20 dias e o Tribunal aumentou para 24 anos, 9 meses e 10 dias. Na reescrita, a pena ficou em 18 anos e a pesquisadora conta que, “no caso de prisão em regime fechado, qualquer redução de pena é importante”.

Sobre ser considerada uma reescrita em perspectiva feminista, Ela Wiecko diz que as pesquisadoras “identificaram no caso julgamentos morais e o uso de um laudo psicológico sobre personalidade, muito imputada às mulheres, de narcisismo e de tendência masoquista por suportar a violência doméstica praticada pelo companheiro,  no caso pelo marido, pai da criança que foi morta”.

Dependência emocional

O acórdão proferido pelo Tribunal, explica a pesquisadora, dizia que, se ela reatou voluntariamente com o marido, tem que arcar com as consequências e que se omitiu, deixando que o pai violento cuidasse da criança. “A análise  ignora como funciona a violência doméstica e a dependência emocional das mulheres em relação aos seus companheiros violentos.”

Para a pesquisadora, a reescrita de uma decisão sob uma perspectiva feminista traz como resultado sentenças e decisões mais justas, porque são mais fundamentadas, a prova que é trazida é checada e questionada. Nesse caso, por exemplo, Ela Wiecko afirma que a prova foi avaliada de uma forma preconceituosa, com julgamentos morais e estereótipos de gênero, por isso, na reescrita, o resultado foi uma redução da pena. “Nesse caso foram levantadas questões que podem até serem objetos de habeas corpus, mesmo com o tempo passado, pois há condições de reconhecer a nulidade na condenação dos outros crimes, em concurso com o crime de homicídio qualificado, que são os crimes de tortura e de maus-tratos. Pelas considerações que fizemos, poderia ser excluído o crime de tortura, mas, na reescrita, nós não falamos de tortura, porque não tinha sido objeto do recurso, então, não poderia ter sido objeto do acórdão, do voto que foi reescrito”, finaliza.

Participaram deste projeto de reescrita, além da professora Ela Wiecko Volkmer de Castilho, a doutoranda Alessandra Brustolin, da  Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP) e  professora do curso de Direito do Centro Universitário Univel, e a mestre em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas pela Universidade do Distrito Federal (UDF), Silvia Cristina Carvalho Sampaio.

A série Mulheres e Justiça faz parte do projeto Reescrevendo Decisões Judiciais em Perspectivas Femininas, uma rede colaborativa de acadêmicas e juristas brasileiras de todas as regiões do País que se presta a reescrever decisões judiciais a partir de um olhar feminista.

A série Mulheres e Justiça tem produção e apresentação da professora Fabiana Severi, da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (FDRP) da USP, e das jornalistas Rosemeire Talamone e Cinderela Caldeira -
Apoio:acadêmicas Juliana Cristina Barbosa Silveira e Sarah Beatriz Mota dos Santos-FDRP
Apresentação, toda quinta-feira no Jornal da USP no ar 1ª edição, às 7h30, com reapresentação às 15h, na Rádio USP São Paulo 93,7Mhz e na Rádio USP Ribeirão Preto 107,9Mhz, a partir das 12h, ou pelo site www.jornal.usp.br


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