Processo de inelegibilidade julgado no TSE reacende discussão sobre casos políticos marcantes

O impeachment de Dilma Rousseff e Fernando Collor de Mello também colocaram em discussão direitos políticos e inelegibilidade

 24/07/2023 - Publicado há 10 meses
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Fachada do Palácio do Supremo Tribunal Federal (STF) – Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil
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Após quatro sessões de julgamento, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) declarou o ex-presidente, Jair Messias Bolsonaro, inelegível por oito anos. O Plenário do Tribunal, por cinco votos a dois, reconheceu a prática de abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação durante uma reunião realizada no Palácio da Alvorada com embaixadores estrangeiros em julho do ano passado. O processo de Bolsonaro relembrou outros dois casos marcantes: o impeachment de Dilma Rousseff e de Fernando Collor de Mello.

Com a condenação do ex-presidente Bolsonaro, muito se questionou os motivos que não levaram a ex-presidente Dilma à inelegibilidade quando sofreu o impeachment em 2016 e, em uma regressão ainda mais distante, o porquê de o ex-presidente Collor ter se tornado inelegível quando teve seu mandato impugnado em 1992, em um processo com a mesma finalidade de Dilma.

As particularidades de cada caso, assim como os interesses políticos dos bastidores de cada decisão, dificultam ainda mais o entendimento pela população em geral. A complexidade da lei brasileira também contribui para confusões e comparações inapropriadas e sem fundamento dos três casos citados.

Direitos políticos e inelegibilidade 

Os dois termos, apesar de interligados, apresentam diferentes classificações e por isso diferentes consequências jurídicas. Os chamados direitos políticos ou direitos de cidadania formam o conjunto das prerrogativas atribuídas a uma pessoa, que asseguram sua participação no processo democrático de um país. 

Esses direitos incluem o voto em eleições, plebiscitos e referendos, a elegibilidade, ou seja, a possibilidade de se candidatar a cargos políticos, apresentar projetos de lei de iniciativa popular e propor ação popular. Ou seja, poder se candidatar é um dos direitos políticos do cidadão e a elegibilidade depende de outros requisitos, como vai ser apresentado adiante.

Clóvis Alberto Volpe Filho – Foto: Arquivo Pessoal

O professor da Faculdade de Direito de Franca e mestre em Direito Constitucional, Clóvis Alberto Volpe Filho, diz que os direitos políticos compreendem duas espécies de gênero: ativo e negativo. “Ativo é aquele que garante ao cidadão o poder de votar, participar de plebiscito e referendo. Já o negativo é aquele que se insere na elegibilidade, que dá ao indivíduo o direito de ser votado e eleito.” Dessa forma, se tornar inelegível significa perder parcela dos direitos políticos.

Thiago Marrara – Foto: FDRP-USP

O professor do Departamento de Direito Público da Faculdade de Direito em Ribeirão Preto (FDRP) da USP, Thiago Marrara de Matos, conta que a inelegibilidade indica a capacidade de um cidadão se candidatar para um cargo político, como presidente da República, governador, prefeito, entre outros. 

“É preciso que se respeitem vários requisitos para que determinado cidadão seja considerado elegível e, portanto, possa disputar o voto popular”, completa Matos. A Constituição Federal, no seu artigo 14, parágrafo 3º, traz esses requisitos. 

 

  • 3º São condições de elegibilidade, na forma da lei:

I – a nacionalidade brasileira;

II – o pleno exercício dos direitos políticos;

III – o alistamento eleitoral;

IV – o domicílio eleitoral na circunscrição;

V – a filiação partidária;        

VI – a idade mínima de:

  1. a) 35 anos para presidente e vice-presidente da República e senador;
  2. b) 30 anos para governador e vice-governador de Estado e do Distrito Federal;
  3. c) 21 anos para deputado federal, deputado estadual ou distrital, prefeito, vice-prefeito e juiz de paz;
  4. d) 18 anos para vereador.

Como dito, apesar de interligados, direitos políticos e inelegibilidade são conceitos distintos. As implicações da suspensão ou perda dos direitos políticos são muito maiores do que a inelegibilidade. “Os direitos políticos são uma condição de elegibilidade”, finaliza o professor da USP.

Casos Dilma Rousseff e Jair Bolsonaro

Após a explicação dos termos, ao comparar os casos de Dilma e Bolsonaro é preciso cautela. “É necessário compreender que são dois casos completamente distintos, julgados por órgãos distintos”, esclarece o mestre em Direito Constitucional e professor da Faculdade de Direito de Franca. “Enquanto a ex-presidente Dilma Rousseff sofreu uma ação de impeachment que tramita no Poder Legislativo federal, Senado e Câmara dos Deputados, Jair Messias Bolsonaro sofreu uma ação judicial julgada por um tribunal, no caso o Tribunal Superior Eleitoral”, esclarece Matos.

No caso da Dilma, julgada pelo crime de responsabilidade, o Senado fragmentou o julgamento. Ou seja, em um primeiro momento foi decidido se ela deveria ou não ser cassada e perder o mandato e a segunda parte concentrou-se em decidir se ela deveria ou não perder os direitos políticos.

Votação pelo impeachment de Dilma Rousseff no Plenário do Senado – Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

 

Como se sabe, a primeira votação decidiu pela cassação da ex-presidente, que em 31 de agosto entrou para a história do Congresso Nacional Brasileiro, com 61 votos favoráveis ao impeachment e 20 contrários, retirando Dilma do comando do Poder Executivo brasileiro. No entanto, a segunda parte do julgamento decidiu pela manutenção dos direitos políticos de Dilma. No caso de Jair Bolsonaro, a inelegibilidade decorreu da própria decisão judicial, logo não foi possível, neste caso específico, fazer o fracionamento como ocorreu no caso da ex-presidente, comenta Volpe Filho.

Casos Dilma Rousseff e Fernando Collor de Mello

Agora casos similares, Dilma e Collor sofreram processo de impeachment. A primeira por razões orçamentárias e o segundo por envolvimento em um suposto esquema de corrupção. Dilma Rousseff foi acusada pelas chamadas “pedaladas fiscais”, enquanto Collor se envolveu em um caso de corrupção junto com seu tesoureiro, braço direito e antigo assessor, Paulo César Farias, chamado de PC Farias.

Fernando Collor, para tentar escapar da inelegibilidade, renunciou ao cargo de presidente, mas o Senado já havia iniciado a sessão de julgamento e a manobra não adiantou. “Ele foi condenado à perda do mandato e à inelegibilidade por oito anos. Na época não houve o fracionamento, como no caso de Dilma”, esclarece Volpe Filho.

Caras-pintadas, movimento pelo impeachment de Collor – Foto: Wikimedia Commons

 

A forma como ocorreu o julgamento da ex-presidente ainda gera polêmica. Há quem entenda que o fato de Dilma não ter perdido seus direitos políticos fere a Constituição Federal, no entanto uma outra parte de juristas, professores e doutrinadores da área, entendem que não, já que não existe nenhuma diretriz expressa que proíba o fracionamento da decisão. “Não é possível ainda cravar ou não se foi inconstitucional, já que o Supremo Tribunal Federal não se debruçou sobre esse caso específico. Tanto é que Dilma concorreu posteriormente para o Senado e perdeu a eleição”, finaliza Volpe Filho.

*Sob a orientação de Ferraz Junior

 


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